QUEM FORAM OS PURITANOS?

Por Rev. Renan Oliveira

O termo “puritano” foi alcunhado pejorativamente visando ofender nos idos anos de 1560. Foi usado pela primeira vez durante o reinado de Elizabete I, filha de Henrique VIII com Ana Bolena, para se referir aos dissidentes reformados que não aceitaram o Acordo ou o Ato de Uniformidade (1559-1562).

Com a ajuda de William Cecil (Barão Burghley), Elizabete I instituiu a unidade religiosa no reino em torno de alguns princípios reformistas e romanistas. Em termos de doutrina soteriológica era um documento bastante calvinista; todavia, não o era quanto à doutrina eclesiológica e litúrgica. Para os reformistas havia acentuada preservação do anglicanismo, principalmente quanto à soberania da rainha sobre a igreja (erastianismo).

O Ato de Uniformidade gerou críticas, resistência e rejeição de ambos os lados. Os reformados na Inglaterra queriam uma reforma mais profunda e ampla da igreja e do estado (a sociedade como um todo). Os ingleses, escoceses, irlandeses e gauleses que criam nas doutrinas reformadas, não se contentavam mais com a religião híbrida que se formava nas Ilhas Britânicas e ganhava terreno sob o reinado elizabetano. Os romanistas, por outro lado, queriam um retorno ao catolicismo, retorno esse tão improvável quanto as aspirações de mudança que os reformadores almejavam naquele momento.

Antes de narrar como Elizabete I assumiu o trono, se faz necessária uma recapitulação do contexto anterior à ascensão de Elizabete: Maria Tudor reinou depois de seu irmão, Eduardo VI (1553), que era reformado e que implementou vários ideia reformadas no reino. A missão dela, como boa católica e descendente de espanhóis, era reavivar o catolicismo romano que era tradicional na Inglaterra, Escócia e Irlanda e que seu irmão tinha enfraquecido. Para isso, perseguiu ferozmente os reformados, produzindo fugas em massa para o continente Europeu. O principal destino era Genebra e Holanda. Além de perseguidos, os reformados foram brutalmente mortos por causa de sua fé (270 foram queimados na estaca, incluindo Thomas Cranmer). Maria, a sanguinária, restabeleceu a missa latina e recolocou a Igreja da Inglaterra, mais uma vez, sob o julgo papal. O reinado de Maria foi curto, durou apenas cinco anos (1553-1558), porém os efeitos foram devastadores para a reforma britânica.

É preciso fazer um parêntese aqui e mencionar os dois grandes nomes do movimento reformista na Inglaterra, no período do reinado do jovem Eduardo VI. Foram eles, o Duque de Somerset (o regente do trono) e Thomas Cranmer. Eduardo VI, filho de Henrique VIII, foi um rei muito favorável à fé reformada e, com a ajuda desses dois homens, pode fazer muito pela fé reformada na Inglaterra. Calvino trocou várias cartas com esses dois baluartes da reforma na Inglaterra e enviou ao menos duas cartas para o jovem Rei Eduardo VI. Calvino influenciou a primeira geração de reformadores ingleses, bem como os refugiados ingleses, escoceses, irlandeses e gauleses que foram se abrigar em Genebra. Calvino desenvolveu tão boa e influente relação com Eduardo VI, Cranmer e Somerset que indicou Martin Bucer para assumir a cadeira de teologia da Universidade de Cambridge, mostrando assim que no período de Eduardo VI houve grande progresso no processo de reforma religiosa[1].

Quando Maria Tudor morreu (sucessora de Eduardo VI) e a Rainha Elizabete I assumiu o trono (ela se dizia reformada), houve grande expectativa pela continuidade da reforma promovida por Eduardo VI. Houve um certo clima de “já ganhou” ou de que se retomaria os rumos que Eduardo deu ao reino. Tanto os reformados que ainda estavam na Inglaterra, quanto os que voltavam do exílio, esperavam ver o progresso em prol da reforma total da igreja e da sociedade pela Palavra, observada no continente. A esperança não se concretizou e houve grande frustração.

Quando o Ato de Uniformidade foi promulgado logo houve discordância pois o que se esperava era um maior comprometimento com a progressão da reforma religiosa e, por conseguinte, maior pureza e distanciamento das práticas romanas. Tentando amenizar o problema, Elizabete I distribuiu cargos (seis bispados ao todo) aos que seriam chamados puritanos. Porém, não foi suficiente para calar a insatisfação e deflagrou uma perseguição “branda” aos inconformados. Os ministros que não subscrevessem o Ato de Uniformidade, que instituía o uso do Livro de Oração Comum, os Artigos da Religião e não abolia o uso de vestes e cerimônias clericais e litúrgicas tipicamente romanizadas, seriam alvo de sanções reais.

Houve ainda um segundo decreto chamado de Alta Corte de Concessões em 1593, escrito pelo arcebispo John Whitgift. Por causa desse segundo decreto, muitos ministros foram suspensos sob a acusação de insurreição e deslealdade. Alguns foram expulsos e mesmo assim continuaram pregando, ensinado e ministrando sacramentos com a ajuda de pessoas mais abastardas que simpatizavam com o puritanismo. Esses problemas se estenderam por todo o período elizabetano, até que em 1603 James I foi coroado (este foi o rei que deu nome à Bíblia king James).

O puritano, deste modo, foi o cristão não-conformista do período elizabetano; isto é, são aqueles que não aceitaram uma reforma deficiente ou pela metade, como foi tentada por Elizabete I. Existia um intenso desejo e sincero ardor no coração desses irmãos por ver a igreja da Inglaterra passar pela peneira das Escrituras. Eles queriam a doutrina da graça sim, porém, não queria somente ela. Era necessária uma nova eclesiologia – presbiteriana e não episcopal –, uma liberdade maior para o parlamento – parlamentarismo – e uma liturgia reformada, sem superstições, sem expressos externos típicos do misticismo romanista – princípio regulador do culto –, e almejavam também uma igreja comprometida com a santidade.

J. I. Packer entendia o puritanismo assim: “o puritanismo foi um movimento evangélico pró-santidade que procurava implementar a sua visão de uma renovação espiritual de âmbito nacional e pessoal, na Igreja, no Estado e no lar; na educação, na evangelização e na economia; no discipulado e na devoção individual, no cuidado e na competência pastoral”[2]. Isto quer dizer que assim como o reforma no continente pregava, os puritanos queriam uma reforma pela Palavra de Deus que mudasse todas as áreas da vida e não simplesmente uma área da vida humana.

REFERÊNCIAS

[1] HUGHES, Philip Edgcumbe. Calvino e a Igreja Anglicana. In: Calvino e sua influência no mundo ocidental. São Paulo: Cultura Cristã. 1990. p. 209-242.

[2] BEEKE, Joel. Paixão pela pureza. São Paulo: PES. 2010. p. 37.

Imagem do topo: Assertion of Liberty of Conscience by the Independents of the Westminster Assembly of Divines . Assembleia de Westminster. John Rogers Herbert, Wikimedia. Domínio Público.

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