POR QUE PROFETAS?

Por rev. Renan Oliveira

Por causa de Adão e Eva. Sim, profetas são chamados por Deus para Ver, Ouvir e Falar por causa do pecado. Se não houvesse pecado, transgressão, omissão, falsos pensamentos a respeito de Deus e da sua vontade, não receberíamos como dádivas os profetas.

A missão de um profeta é essencialmente ser um instrumento de Deus para falar o que vê e ouve da parte de Deus. Hoje não temos mais profetas segundo esse padrão bíblico, como foi Isaías (AT) ou Ágabo (NT). Mas temos a mensagem que eles legaram para o bem de nossas almas.

Deus envia profetas também para o bem de nossas almas, pois sendo o motivo inicial a nossa transgressão/pecados, o profeta é um enviado por Deus para reparar o pecado, para nos levar ao arrependimento ou à consciência do juízo –– há redenção na ação profética.

Os profetas são, inclusive, bons instrumentos para aprendermos a ler a realidade que nos cerca, como foi para o povo no passado. Quem poderia dizer que a atitude de Ezequias ao revelar as suas glórias aos babilônicos foi errada aos olhos de Deus? Diante de tão graves problemas, como o da invasão de reis estrangeiros mais poderosos, o que Deus tinha a dizer? O profeta revelava com base na Lei e na revelação profética.

Além disso, os profetas nos ensinam a interpretar as Escrituras. A função de pêndulo que os escritos de Moisés exercem sobre os profetas revela a unidade orgânica das Escrituras e também como devemos interpretar e aplicar a Bíblia hoje aos nossos dilemas e problemas. Por isso eles são nos dados.

O que muitos também não notam é que os profetas são dados porque são tipos de Cristo. Eles, mesmo sendo homens falíveis, com defeitos pessoais, com inclinações pessoais, são selecionados por Deus para levarem a sua Palavra. Samuel é um exemplo dessa condição pessoal e que mesmo assim serve a Deus sob grande aprovação do Senhor. Elias pode ser encaixado na mesma descrição, pois se escondeu numa caverna e por isso foi lembrado por Deus de que ele não era o único fiel em uma terra de maioria infiel. Poderíamos citar outros. Contudo, fica mais do que evidente que, ao ser revelado pela palavra e pelo ministério do profeta, Jesus nos ensina outra lição.

Ele envia profetas mesmo sabendo que eles irão sofrer (por causa dos erros dos ouvintes e por causa dos seus próprios erros). O propósito e a Pessoa de Deus, que são revelados no ministério profético, estão acima do cuidado individual com um ser humano. Ainda que um dos propósitos de Deus seja salvar o homem (salvá-lo da morte que a glória a si trouxe) para a glória de Deus e para glorificar a Deus em Cristo.

Um ser humano não é mais importante do que o propósito de Deus, nesse sentido do sacrifício para o qual o profeta é enviado, pois eles eram perseguidos, colocados em privações e até mortos por causa do propósito de Deus que beneficiava não somente o profeta e a sua família.

Um exemplo do nosso dia a dia poderia ser dado no contexto da pandemia na qual fomos inseridos. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e a “moça e o rapaz” da manutenção são postos em risco por causa de um propósito. Note o paradoxo-dilema: a ética permite que uma vida seja sacrificada por outras tantas vidas. O caixa do supermercado, o entregador de comida, aquele que dá manutenção na energia elétrica, o repositor que coloca os alimentos nas prateleiras, o entregador de comida têm menos direito à vida do que você e a sua família? Se sim, repense o seu cristianismo.

Os profetas, os apóstolos do passado e os pastores hoje têm as suas vidas diminuídas, expostas, sacrificadas, bem como a de suas famílias pelo bem do propósito de Deus. Enquanto uns foram e são humilhados e desgastados para que o Evangelho cresça, outros são edificados pelo mistério dos que são expostos à humilhação e exposição públicas. O que isso revela a respeito da vontade e do propósito de Deus? Primeiro, a igreja tem que ter bom ânimo ao passar por provações, perseguições e humilhações. O Senhor deixa um exemplo de que a igreja também pode ser posta em situações assim, ainda que não seja na mesma proporção que os líderes. Bem-aventurada é a igreja ao ser perseguida, porque também perseguiram os profetas. 

Segundo, pastores, assim como os apóstolos e profetas no passado, não são maiores ou mais importantes do que a Igreja de Cristo. Eles exercem um ministério de honra, respeito e devem ser amados, sob pena de punição severa de Deus em caso de desobediência a esses deveres da igreja para com eles; entretanto, não há pastores mais importantes do que o propósito de Deus. Nem mesmo o maior doutor e mais famoso pregador! Pastores que pensam que seus ministérios são maiores do que a igreja que pastoreiam, algo que tem se tornado cada vez mais comum, não estão refletindo o ensino e o propósito de Deus em seus ministério de forma positiva, mas negativa.

Pastores devem ter a convicção de que são honrados, ao receberem maior/tão imenso privilégio, pois foram escolhidos para pastorear um rebanho que não lhe pertence. Agostinho de Hipona é considerado um dos mais importantes pastores da Igreja Cristã. É tão importante que é colocado numa linha de teólogos que começa com o apóstolo Paulo, passa por Tomás de Aquino e chega em Calvino. Homens dos mais importantes para a teologia cristã em todos os tempos. Antes de ser cristão, foi um rapaz com uma vida muito devassa/desregrada, mas sua mãe orou por ele e um dia Deus o resgatou. Quando foi posto bispo em Hipona, não foi para a principal igreja de sua época (Roma, Jerusalém, Alexandria, Éfeso, Antioquia e etc). Igrejas em posições “superiores” não o tinham como pastor. No entanto, Agostinho não se via como um pastor impedido de cumprir o propósito para o qual fora chamado por causa da limitação, em termos de importância político-eclesiástica, de sua igreja. Ele não era superior a Igreja e ao propósito de Deus.

João Calvino era um jovem brilhante que foi intimado por Farel a continuar a reforma em Genebra – ele queria a vida acadêmica. Genebra não era a cidade de hoje. Era uma pequena e insignificante cidade, se comparada a outras. No entanto, Deus quis colocar o maior teólogo e exegeta da reforma na cidade de Genebra, para pastorear um povo que nem de longe era o mais reformado e que resistiu muito ao ensino de Calvino. Calvino foi expulso da igreja e da cidade, depois viram o erro que tinham cometido e solicitaram o retorno dele. Ele nunca se julgou maior do que a igreja onde estava. Sabia que tinha sido colocado ali para cumprir o propósito de Deus. Sempre se viu indigno de cumprir o chamado.

Indubitavelmente, a maioria dos conhecidos servos do Senhor que a história da Igreja nos legou foram homens da Igreja e pastores de rebanho (“com cheiro de ovelha”) com muitos dons intelectuais/acadêmicos. Rev. Hermisten dizia uma grande verdade: “teologia se faz na Igreja, no poder do Espírito Santo.” Eles eram uma junção de piedade e erudição no ambiente da Igreja. A mesma postura e características que se encontram no apóstolo Paulo ou no profeta Isaías.

Não é uma postura incomum. Isaías ao ser chamado se viu incapaz ao reconhecer seu erro e o do seu povo. Jeremias e Ezequiel de igual forma. Paulo ao se referir ao Evangelho e ao chamado para pregá-lo, também se mostrou com o mesmo espírito. É evidente que os profetas, pastores, apóstolos foram postos para o escárnio dos homens, para ser julgado indevidamente pelos homens, para sofrerem a dor da rebelião, difamação e das agressões infundadas ou fundadas em seus defeitos. Deus os humilha para que continuem vasos usáveis para a honra do seu Criador. Ao mesmo tempo em que o Senhor também disciplina o seu povo, a Igreja, ao se levantarem contra os seus ministros (servos).

O fato dos vasos serem de barro, e não de ouro, revela em excelente medida o desejo de Deus em se revelar não só como um Deus glorioso e santo, mas também como misericordioso e compassivo diante da falibilidade de seus vasos. O mesmo Deus que não tolerou os erros de Saul, é o mesmo Deus que teve infinita misericórdia de Davi. Vasos de Deus na mão do oleiro, não vasos e não oleiros.

Esses defeitos, no entanto, revelam duas coisas: primeiro, nenhum pastor, profeta ou apóstolos eram perfeitos e tinham um valor intrínseco. O valor e a honra aos seus ministérios se dava pelo Senhor, por causa do Senhor. Essa condição fez e faz com que todos entendam que eles eram e são apenas tipos de Cristo, que se entregaram ao ministério de tornar conhecida a vontade de Deus e o propósito de Deus. Eles não apontam para si mesmos, apontam para Cristo. O casamento tem esse mesmo propósito, apontar para o relacionamento de Cristo e a Igreja. Os defeitos pessoais e até mesmo os erros tremendos que verdadeiros homens de Deus cometem é para mostrar que Cristo é o profeta, pastor e apóstolo perfeito. Ele quis usar homens falíveis também para nos revelar e nos lembrar disso constantemente, além de mostrar que ele também sacrifica algumas vidas por outras vidas que nem merecem, pois os seus ministros falam e o povo muitos vezes nem dá ouvidos.

A segunda coisa que nos revela é que o sacrifício desses homens aponta para o sacrifício de Jesus, que sendo o Filho de Deus, foi enviado para um povo mau, cheio de corrupção, que fez Ele sofrer – e mesmo sem defeito foi rejeitado e acusado de defeitos inexistentes (parece que defeitos na maioria das vezes são usados como desculpa e justificação para o pecado que se quer não tratar e ocultar). Quando Paulo disse que apresentava as marcas de Cristo nele, que são os sofrimentos por causa do ministério, revela que Jesus também se torna conhecido como quem sofreu por nós quando líderes, que Ele designou, são mal tratados pelo povo. Jesus foi exatamente assim. O Pai enviou, por quem não merece, e quando seu Filho chegou, foi rejeitado, difamado, maltratado, achincalhado, escarnecido, blasfemado, acusado, julgado e culpado erroneamente com base no que Ele é, como se o que Ele é fosse um crime. A justiça é injustiça e a injustiça é justiça.

Imagem do topo: The Prophet Daniel, Julius Schnorr von Carolsfeld Domínio Público.

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