CONSIDERANDO ALGUMAS DECISÕES DO CONCÍLIO DE TRENTO

Por Rev. Renan Oliveira

Introdução

O Concílio de Trento foi um concílio de contra-reforma. Uma resposta aos postulados da Reforma de 1517. Ele se declarou com o seguinte propósito:

“a de extirpar as heresias e a de reformar os costumes, motivo principal de estar reunido, julgou seu dever professar, com as mesmas palavras segundo as quais é lido em todas as igrejas, o Símbolo de Fé usado pela Santa Igreja Romana como princípio em que devem concordar todos os que professam a fé cristã e como fundamento firme e único contra o qual jamais prevalecerão as portas do inferno (Mt 16, 18)”. (CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO: CONTRA AS INOVAÇÕES DOUTRINÁRIAS DOS PROTESTANTES 1545-1563. Edição do Kindle.)

Na convocação fica evidente que o intuito era manter a unidade da religião cristã sob o verdadeiro e único pastor, o Papa. Eles entendiam que o cisma, as contradições e heresias propagadas pelos reformadores poderiam ser resolvidos pela reunião da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana.

A edição das decisões tomadas pelo Concílio de Trento feita pela editora católica “Editora Família Católica”, ao responder a pergunta “O que foi o Concílio de Trento?” não deixa dúvidas de que o grande problema era as supostas heresias pregadas pelo antigo monge agostiniano contra as indulgência e em favor da justificação pela fé somente.

Esse concílio se fundamentou na ideia romanista de que a continuidade da revelação é uma verdade incontestável, pois em vários momentos ele declara que sob a ação do Espírito Santo e dando continuidade a sucessão apostólica que só se dá pela Santa Igreja Católica Romana, o concílio iria pronunciar as suas decisões e exclusões dos dissidentes protestantes. A doutrina romana que pensa ser o Papa e a Igreja os canais de revelação continuada desde os tempos apostólicos, em pé de igualdade com as Escrituras, permeia toda as suas decisões conciliares.[1]

Por outro lado, a Confissão de Fé de Westminster declara expressa e publicamente em seu trigésimo primeiro capítulo que concílios erram e têm errado.


Estabelecendo o Cânon Católico Romano

O erro católico romano é indubitavelmente auto-declarado. Logo no início as declarações do concílio estabelecem o primeiro erro teológico, ao mesmo tempo em que vão dar sustentação aos vários erros teológicos subsequentes. Baseados na tradução Vulgata, que por sua vez foi baseada na Septuaginta, que foi uma tradução produzida pelos judeus antes do advento do Cristo, no Egito, a partir do texto do Antigo Testamento em Hebraico, o concílio, supostamente guiado pelo Espírito Santo, estabeleceu como cânon aceito os livros do Antigo Testamento, mais os livros da tradição judaica que estavam na tradução da Vulgata e da Septuaginta.

Além dos 39 livros que eram os reconhecidos como inspirados pelos Judeus e pela literatura Neotestamentária, acrescentaram: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque e primeiro e segundo dos Macabeus.

O estudo concernente ao erro que envolve tal decisão é extenso e não é o foco de nosso estudo agora. Há vasta literatura sobre a questão canônica e sem dúvidas as discussões em sua maioria se dão em torno do Novo Testamento, e pouco quanto aos livros do Antigo Testamento. A literatura antiga dos judeus, a transmissão das cópias e classificação das mesmas mostram sobejamente que esses livros nunca tiveram o status de livros inspirados por Deus como tinham os outros 39. Sem falar que em nenhuma parte da tradição teológica cristã houve, a não ser por parte de hereges como Marcion (ou Marcião), a maculação dos livros do Antigo Testamento tais como os conhecemos em uma coleção de 39 livros. Apresentarei em tópico posterior um introdutório estudo sobre a discussão canônica do AT.

É importante destacar que o concílio de Trento, por se considerar parte da continuidade da revelação, declara aceitar e não reconhecer quais são os livros canônicos. Desde Nicéia (325 d.C.), até os reformados, “reconhecer” os livros canônicos foi a posição bíblico-teológico herdada dos antigos. Trento quebra essa tradição e afirma “aceitar” o cânon que agora redesenhava. Isso mostra que o concílio se julgava acima das Escrituras.[2]

Por certo há uma grande pernicioso e aparentemente inofensivo (para alguns) erro doutrinário. Quando Trento define o cânon que aceita ou não aceita, coloca sob contaminação toda a doutrina cristã. Todos os concílios ao se pronunciarem sobre o cânon, desde o cristianismo primitivo (como escrevi acima), declararam reconhecer o que havia sido produzido pelos apóstolos, pelos seus discípulos e que era comumente reconhecido como instrução divina nas primeiras igrejas cristãs. Soma-se a isso a autoridade intrínseca, auto-declarativa e baseada na harmonia interna das Escrituras. Interessantemente, como não poderia se deixar de esperar, muitas das heresias, como a oração pelos mortos, e a intercessão de santos pelos seus méritos, foram baseadas em livros dessa lista que foi incluída pelo Concílio de Trento.

Ao destruir a referência absoluta das Escrituras, a doutrina naufraga no mar da sabedoria humana, é contaminada com conhecimento humano, é viciada para o sincretismo e interesses obscuros e mesquinhos. Tal postura e tais doutrinas seriam absolutamente/totalmente estranhas aos que escreveram os livros do Novo Testamento e às igrejas locais e líderes que primeiro receberam, ouviram sua leitura e pregaram a partir deles.

Por isso eles declararam:

Se alguém não aceitar como sacros e canônicos esses livros na íntegra com todas as suas partes, como era costume serem lidos na Igreja Católica e como se encontram na edição antiga da Vulgata Latina; e desprezar ciente e premeditadamente as preditas tradições: – seja excomungado. (CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO: CONTRA AS INOVAÇÕES DOUTRINÁRIAS DOS PROTESTANTES 1545-1563. Edição do Kindle).

Diante do exposto pelo próprio concílio, eles são os únicos que podem estar certos em todas as discussões doravante, pois mudaram arbitrariamente os fundamentos teológicos que Paulo e Jesus haviam estabelecido (Ef. 2.19-20; Lc 24.44-45). Trento acrescentou ao fundamento, se determinou e se legitimou a Igreja Católica Apostólica Romana como a única que pode ser verdadeira e interpretar a Bíblia e a Tradição – já que é ela pelo Espírito Santo e Sucessão Apostólica que recebeu com exclusividade a continuidade da revelação pós-apostólica[3].


O estabelecimento da versão – Tradução Vulgata.

Não entraremos na discussão de que a Vulgata já não era mais a mesma Vulgata latina de Jerônimo. Pressupondo a Vulgata como documento estabelecido, o Concílio de Trento ainda impôs que a única fonte para as discussões, pregações, ensinos e etc. deve ser a Vulgata, uma tradução da Bíblia do grego para o latim que não poderia ser traduzida para o linguajar vulgar, ou língua comum.

Foi uma decisão na contramão de tudo, pois desde John Wycliffi (1328-1384) a busca pela tradução da Bíblia para a língua comum era uma necessidade reconhecida por quem queria ensinar o Evangelho e por quem necessitava conhecê-lo. Essa péssima decisão do concílio de Trento afastou ainda mais as pessoas do conhecimento da Palavra.


Introdução ao conceito de Cânon Bíblico e o desenvolvimento.

Gleason define o termo cânon da seguinte maneira:

“O termo “cânone” é derivado da palavra grega “kanõn” (κανόν), que quer dizer “vara reta, beira reta, régua”. No que diz respeito à literatura, “cânone” veio a significar aquelas obras escritas que se conformam com a regra ou padrão da inspiração e autoridade divinas.” (ARCHER JR, Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento São Paulo: Vida Nova, 2003. p. 69.)

É inquestionável que os livros da Bíblia tornaram-se a autoridade singular e infalível já na Igreja dos primeiros séculos. Ainda nos primeiros anos da era cristã, reconhecer e listar os livros canônicos se tornou uma demanda emergente por causa das heresias crescentes dentro da Igreja. A igreja estava sofrendo com pessoas que queriam perverter a doutrina e mesmo os parâmetros (os documentos) deixados pelos Apóstolos. Além das conhecidas finalidades expostas pela própria Bíblia a respeito de si, o cânon também foi um antídoto contra as heresias na era pós-apostólica.

Mark A. Noll, grande historiador da igreja, relata os motivos:

As circunstâncias práticas que levaram à definição de um cânon do Novo Testamento resultaram das realidades concretas da vida da igreja. A igreja necessitava de padrões para o culto e modelos de orações, liturgia e sermões. A igreja precisava de materiais de leitura para as devoções públicas e particulares. A igreja precisava de um padrão teológico para responder aos críticos não-cristãos e para resolver disputas teológicas dentro de suas próprias fileiras. Ela também necessitava de um texto fixo a ser traduzido à helenístico, indo para o ocidente latino e depois prosseguindo para o leste em direção à Ásia e para o norte, na Europa. (NOLL, Mark A. Momentos decisivos na História do Cristianismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2000. p. 37-38.)

Herman Ridderbos também comenta a necessidade da instrução, mediante a leitura da Palavra, por causa das heresias: “A Igreja possuía uma necessidade cada vez maior da leitura das Escrituras e da instrução quanto às tradições, na medida em que surgiam falsas doutrinas que também apelavam para as Escrituras (1Tm 1: 7).” (RIDDERBOS, Herman. Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo, 2004. p. 535.)

É como bem define a palavra cânon: A igreja necessitava de uma régua de medir os parâmetros de fé, prática e teologia que deveria guiar a Igreja de Jesus Cristo.

Mas, como a Igreja chegou a este cânon? O primeiro ponto a se ressaltar é que o cânon não foi definido pela igreja ou pela liderança da igreja do Antigo ou do Novo Testamentos – ou seja, o cânon não foi imposto, ou mesmo escolhido mediante um padrão humano, mas reconhecido pela direção de Deus, no Espírito.

Analisou-se também a antiguidade dos livros: era necessária a averiguação da sua autoria ou origem, datação e língua em que foi escrito. A tradição judaica quanto às informações a respeito dos livros do AT reconhecidos como canônicos é salutar e abundante. Paulo mesmo afirmou: “Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus.” (Rm 3: 2).

O Cânon Hebraico provavelmente começou a ser definido no período de Esdras. A Septuaginta, que é do 3º séc a. C., e Jesus ben Siraque, por volta de 190 a. C., confirmam que os 39 livros do AT são os livros reconhecidos como canônicos pela igreja neotestamentaria. Nos tempos de Jesus o historiador Flavio Josefo (37-95 d.C) confirma a mesma informação “Porque nós não temos (como têm os gregos) miríades de livros discordantes e contraditórios entre si, mas apenas vinte e dois, em que justamente se acredita.” (Apud. ANGUS, Joseph. História, Doutrina e Interpretação da Bíblia. São Paulo: Hagnos, 2003. p. 33.)

Josefo se refere à Bíblia Hebraica que tem 22 (ou 24) livros[4], que são os mesmos livros que foram divididos em 39 quando traduzidos pelos setenta  em Alexandria–Egito (Septuaginta – na tabela abaixo ficará claro). O único dos livros do Antigo Testamento que ainda deixou alguma dúvida e foi alvo de debates entre os rabinos Hillel e Shammai foi Eclesiastes. Para resolver esse impasse foi convocado o concílio judeu de Jâmnia, em 90 d.C. Contudo, o concílio não iria fazer qualquer tipo de trabalho de reconhecimento canônico, pois a diferença de opinião se dava em especifico a respeito de Eclesiastes; e que se saiba, foi uma disputada apenas entre os referidos. O entendimento sobre o cânon do AT é muito anterior ao período de Jesus.

A igreja cristã, na figura de seus líderes, fez muitas referências aos livros do AT. O bispo de Sardes, chamado Melito (c. 180), fez referencias a coleção de livros do Antigo Testamento tal como conhecemos.

O que normalmente se reconhece como os argumentos mais fortes em favor no Cânon do AT é a imensa quantidade de menções que o Novo Testamento faz do Antigo Testamento. Na maioria das vezes quando os escritos apostólicos mencionava a palavra “Escritura” era ao Antigo Testamento que se referiam. Kelly expõe esta perspectiva: “Pelo menos durante os cem primeiros anos de sua história, as Escrituras da igreja, no sentido exato da palavra, consistiram exclusivamente no Antigo Testamento.” (KELLY, J. N. D. Doutrinas Centrais da Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1994. p. 38.)

O evangelista Lucas escreveu em seu Evangelho que “A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos.”(Lc 24: 44). A Bíblia hebraica era basicamente dividida em lei, profetas e escritos (poéticos e escritos como Esdras). Os livros que chamamos históricos, como Samuel e Reis, eram classificados como proféticos na Bíblia Hebraica. Angus resume bem ao que se referia Lucas quando comentou que Jesus cumpria o que estava Escrito:

Lei: 1º Gênesis, 2º Êxodo, 3º Levítico, 4º Números, 5º Deuteronômio. Profetas – primeiros: 6º Josué, 7º Juizes, 8º Samuel, 9º Reis. Profetas – últimos: 10º Isaías, 11º Jeremias, 12º Ezequiel, 13º Os doze. Os Escritos (hagiógrafos): 14º Salmos, 15º Provérbios, 16º Jó. Os cinco Volumes ou Rolos: 17º Cântico dos Cânticos, 18º Rute, 19º Lamentações, 20º Eclesiastes, 21º Ester, 22º Daniel, 23º Esdras e Neemias, 24º Crônicas. […] Tem sido observado também que alguns livros do Cânon judaico não são diretamente citados no Novo Testamento. O fato é certo, e o que admira é que esses livros sejam tão poucos – Obadias e Naum, Esdras e Neemias, Ester, Cânticos dos Cânticos, e Eclesiastes. Mas nenhuma questão se pode levantar quanto ao caráter canônico de Obadias e Naum, porque eles fazem parte dum só livro, o Livro dos Doze Profetas, que é amplamente aceito como inspirado. Quanto aos outros, temos somente de considerar se, admitidos como canônicos, eles contêm matéria própria para ser citada, e é então fácil ver que fútil é o argumento baseado no silêncio. Além disso, Ester, Cânticos dos Cânticos, e Eclesiastes, pertencem a um grupo de cinco (o Megiloth), dos quais são reconhecidos dois como canônicos, reconhecimento que bem pode aplicar a todo o grupo. Esdras e Neemias, acham-se num grupo de três com Daniel e as Crônicas. (Mt 24: 15; 23: 35; 2 Cr 24: 21). (ANGUS, Joseph. História, Doutrina e Interpretação da Bíblia. São Paulo: Hagnos, 2003. p.34-35)

Quando, assim, Jesus, Lucas e o apóstolo Paulo se referiam a Lei, aos Profetas e aos Salmos (Lucas é o único que cita os Salmos) estavam se referindo as Escrituras do Antigo Testamento como um todo – já que eram os únicos registros reconhecidamente inspirados por Deus e assim normativos.

Completando estas palavras de Lucas e do apóstolo Paulo, temos a palavra de outro apóstolo, a de Pedro. Em sua epístola ele diz que o Espírito que inspirou os profetas a falarem no Antigo Testamento é o de Cristo (I Pe 1. 10-11). Ainda não podemos deixar de mencionar o próprio testemunho interno que o Antigo Testamento dá a respeito de si mesmo (Êx 31: 18; 40: 20; Dt 31: 26; 1 Sm 10: 25; Is 34: 16; 2 Rs 22: 8-13), sendo este um ponto decisivo para fecharmos a questão.

Em decorrência de não haver qualquer questionamento ao Cânon do Novo Testamento por parte do Concílio de Trento, não farei uma apresentação introdutória ao processo canônico do Novo Testamento. O Concílio de Trento afirmou que os 27 livros do Novo Testamento são canônicos, fazendo acréscimo apenas à biblioteca de livros canônicos do Antigo Testamento.  

O concílio tridentino roga tanto por uma falsa unanimidade dos pais da igreja,  incensada pelo “espírito santo”, que esquece de lê-los com fidelidade. Agostinho, Bispo de Hipona, escreveu:

“Eu temo […] que alguns dos simples sejam seduzidos e se afastem de sua simplicidade e pureza, pela sutileza de certos homens, e passem a ler outros livros – aqueles chamados apócrifos – enganados pela semelhança de seus nomes com os livros verdadeiros […]. Pois, assim como alguns se propuseram a colocar em ordem para si mesmos os livros chamados apócrifos, e misturá-los com a Escritura divinamente inspirada […] igualmente me pareceu bem […] colocar diante de vós os livros incluídos no Cânon, transmitidos e atestados como divinos. […]. Existem, pois, no Antigo Testamento, vinte e dois livros […] não é tedioso falar novamente dos livros do Novo Testamento. Eles são os quatro Evangelhos, segundo Mateus, Marcos, Lucas e João. Em seguida, os Atos dos Apóstolos e as sete Epistolas (chamadas católicas), a saber, de Tiago, uma; de Pedro, duas; de João, três; depois destas, uma de Judas. Além disso, existem catorze epistolas de Paulo […]. E também o Apocalipse de João […]. Estes livros são fonte de salvação, para que aqueles que têm sede possam ser saciados com as palavras vivas que eles contêm. Somente neles é proclamada a doutrina da piedade. Que ninguém lhes faça qualquer acréscimo, nem lhes subtraia coisa alguma […]. E para maior exatidão, também acrescento o seguinte por ser necessário; que existem outros livros além destes, certamente não incluídos no Cânon, mas recomendados pelos Pais para serem lidos por aqueles que acabam de unir-se a nós e desejam instrução na Palavra da piedade. A sabedoria de Salomão, a Sabedoria de Siraque, Ester, Judite, Tobias, o chamado Ensino dos Apóstolos [a Didaquê] e o Pastor. Porém, meus irmãos, os anteriores estão incluídos no Cânon, e os posteriores são [simplesmente] lidos.” (NOLL, Mark A. Momentos decisivos na História do Cristianismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2000. p. 41.)

Definitivamente, depois de Trento, aquilo que era apenas a perversão doutrinaria não oficial da Igreja de romana, passou a ser a doutrina estabelecida oficialmente. A doutrina da igreja do Papa passou a ser uma blasfêmia oficial e reiterada, baseada em seus erros propositados e conscientes.


Conclusão

É inquestionável a canonicidade dos livros que são reconhecidos por nós como inspirados e preservados por Deus para o nosso ensino da piedade. Paulo em 2Tm 3.10-17 ensina que o ensino apostólico, bem como o da Escritura, são fonte de autoridade e não poderiam ser negados. Claramente ele sabia a que escritos estava se referindo quando disse que As Escrituras são “inspiradas por Deus”, por isso úteis e cumprem uma finalidade piedosa. Negar isso é a apostasia e a blasfêmia.

A Igreja do Papa é apenas a sobra do pouco daquilo que ela foi na Idade Média (a Igreja Católica Apostólica Romano surgiu apenas em 1054 d.C.). Ela se tornou uma miscelânea de doutrinas certas com doutrinas falsas. A doutrina das Escrituras foi negada e subjugada aos interesses dos papas e bispos e também por pura cegueira espiritual. A prática da piedade foi sincretizada com a ambição e superstição vinda das religiões pagãs  – a apostasia foi a síntese mais óbvia e incontornável.

A profecia em 2Rs 17.29-41 deixa claro que o povo não só se desviava por abandonar completamente o Senhor, mas por, sincreticamente, adorar a deuses estranhos e usar formas de adoração que não eram autorizadas por Deus. Se a Igreja Católica Romana tivesse mantido a verdadeira tradição dos apóstolos, como a que Paulo ensinou (2Tm 2.2; 2Ts 2.15; 3.6; 1Co 11.2), e não a dos judeus, como Jesus e Paulo criticaram (Mc 7.5,8,13; Cl 2.8), a reforma proposta pelos próprios católicos teria sido ouvida pelo Papa e os Bispos. Graças a Deus uma parte dos cristãos ouviu a voz da reforma e foi convertida para as Escrituras pelo Espírito Santo, que só fala pelas Escrituras.

Calvino mesmo ensinou:

“para que não caiamos no mesmo fosso, fixemos inteiramente os ouvidos, os olhos, os corações, as mentes, as línguas na sacra doutrina de Deus. Pois é essa a escola do Espírito Santo, o melhor Mestre, na qual de tal modo se avança que nada se deve adquirir de outra parte; senão que se deve ignorar de bom grado tudo quanto não é nela ensinado.” (Calvino, J. (2006). As Institutas. (Edição Clássica, Vol. 4, p. 387). São Paulo: Editora Cultura Cristã.)

Respondendo justamente aos chiliques romanistas, que separam a Palavra do Espírito Santo, como se o Espírito Santo falasse à parte da Palavra que Ele mesmo inspirou aos papas e bispos romanistas, Calvino afirmou:

Agora é fácil concluir quão extraviados andam nossos adversários, os quais se gabam unicamente do Espírito Santo, para entronizar em seu nome doutrinas estranhas e muitíssimo contrárias à Palavra de Deus, quando o próprio Espírito quer ser associado à Palavra de Deus por um vínculo indivisível. E assim o afirma Cristo ao prometê-lo à sua Igreja, pois ele deseja que ela guarde a sobriedade que lhe tem recomendado, e lhe proibiu que acrescente ou tire qualquer coisa da sua Palavra [Dt 4.2; Ap 22.19,20]. É este decreto inviolável de Deus e do Espírito Santo que nossos adversários tentam anular, quando imaginam que a Igreja é governada pelo Espírito Santo sem a Palavra. Calvino, J. (2006). As Institutas. (Edição Clássica, Vol. 4, p. 161–162). São Paulo: Editora Cultura Cristã.

Por que tantas vezes as normas humanas e sabedoria terrena são tão mais bem recebidas? Calvino explicou:

“Ele diz que as tradições humanas enganam sob a aparência de sabedoria. Donde lhes provém este aspecto? Evidentemente, porque foram inventadas pelos homens; o entendimento humano aí reconhece o que é seu; e ao reconhecê-lo, as abraça com maior prazer do que se faz com algo melhor, mas que não está de acordo com sua vaidade.” Calvino, J. (2006). As Institutas. (Edição Clássica, Vol. 4, p. 186). São Paulo: Editora Cultura Cristã.

As tradições antibíblicas dos católicos romanos são uma prova de que todos nós podemos nos desviar do Senhor e de sua Santa Palavra. Ao sobreporem a vontade, a sabedoria, a inteligência, a visão humana sobre o ensino bíblico, sobre o ensino dos pais da igreja, sobre o ensino bíblico dos concílios católicos da antiguidade (Nicéia 325, Constantinopla 381, Eféso 431 e Calcedônia 451), deixaram uma lição para os líderes cristãos da posteridade.

Com tristeza os irmãos verão ao longo dos estudos apologéticos que os evangélicos atualmente estão defendendo doutrinas e práticas similares àquelas defendidas pelo catolicismo papista do século 16 (desde o século 14 –– os tenebrosos anos de declínio do catolicismo romano), que provocou a necessidade de reforma. A necessidade de reforma vinha sendo percebida desde o século 14 (John Wycliffi, John Huss, Jerônimo Savonarola, Erasmo de Roterdã e outros), mas só encontrou força e se desenvolveu a partir 1517.

Um dos exemplos relacionados com o tema de hoje é a doutrina carismática do continuísmo, a saber, aquela em que Deus continua falando com a Igreja como falou no passado aos apóstolos e profetas; e desde a morte deles fala exclusivamente por meio dos Papas (infalibilidade papal) e dos concílios papistas que produzem a tradição infalível. Por isso o papismo pode afirmar tantas doutrinas estranhas, a base doutrinaria deles não é a Bíblia, é a Bíblia e mais outras duas coisas: Papa e tradição (baseadas na ideia de revelação contínua por meio da sucessão apostólica, pois Papa é Pedro), e delas surge a Bíblia e o sentido dado a ela pelo Papa.

Tantas são as doutrinas hoje que estão fundamentadas em ensinos baseados em “revelações” em paralelo com as Escrituras. Os copos com água sobre a televisão, fogueira santa de Israel, o uso de shofares e simulacros de arcas da aliança, regressão, cura interior, igrejas em célula e tantas outras doutrinas e práticas fundamentadas em experiências místicas que nada têm a ver com a Palavra de Deus.

Tudo isso mostra que precisamos vigiar para não cairmos nessas coisas como os católicos romanos cairam e de lá nunca se ergueram.


[1] “de Trento, reunido legitimamente no Espírito Santo, e com a presidência dos mesmo três legados da Sé Apostólica, […] quer sejam ditadas pelo Espírito Santo e conservadas por sucessão contínua na Igreja Católica.” (Autores, Vários. CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO: CONTRA AS INOVAÇÕES DOUTRINÁRIAS DOS PROTESTANTES 1545-1563 . Edição do Kindle.)

[2] “a respeito dos livros que são aceitos pelo mesmo Concílio, resolveu ele ajuntar a este decreto o índice dos Livros Sagrados.” Autores, Vários. CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO: CONTRA AS INOVAÇÕES DOUTRINÁRIAS DOS PROTESTANTES 1545-1563 . Edição do Kindle.

[3] “Ademais, para refrear as mentalidades petulantes, decreta que ninguém, fundado na perspicácia própria, em coisas de fé e costumes necessárias à estrutura da doutrina cristã, torcendo a seu talante a Sagrada Escritura, ouse interpretar a mesma Sagrada Escritura contra aquele sentido, que [sempre] manteve e mantém a Santa Madre Igreja, a quem compete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretação das Sagradas Escrituras, ou também [ouse interpretá-la] contra o unânime consenso dos Padres, ainda que as interpretações em tempo algum venham a ser publicadas. Os que se opuserem, sejam denunciados pelos Ordinários e castigados segundo as penas estabelecidas pelo direito.” Autores, Vários. CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO: CONTRA AS INOVAÇÕES DOUTRINÁRIAS DOS PROTESTANTES 1545-1563 . Edição do Kindle.

[4] Dependia da divisão, dependendo da fonte. Porém, o conteúdo era exatamente o mesmo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *