O amorfo estudo de qualquer tipo de espiritualidade que não é ensinada pela Bíblia é insidioso. E parece que essa não é mais uma preocupação de muitos evangélicos. Afirmo isso porque, ao me deparar com uma propaganda do site de venda de livros cristãos “família cristã”, fiquei embasbacado. Uma Bíblia de “estudo” em que seu atrativo diferencial é o fato de ser uma “Bíblia de Estudo de Espiritualidade Emocional Cristã”.
Mergulhamos, definitivamente, na desventura do espiritualismo existencial.
A religião baseada no sentimento ou na razão, usando esses termos como comumente eles nos são apresentados, é um gravíssimo equívoco. A verdadeira fé é composta por emoções, sentimentos, afeições e predileções. A verdadeira Fé é racional – não racionalista ou cientificista – racional porque tem lógica interna, não se contradiz, não se fundamenta na mentira – é verdade e a verdade –, pode ser compreendida, entendida, articulada e, por fim, é fruta da ação sobrenatural de um Deus que é onisciente. A Fé Cristã não é nem algo inexplicável que simplesmente eu sinto, e nem uma conclusão sintética baseada na experimentação do “método científico moderno”.
O “sentimento” leva a um tipo de religiosidade psicologizada/supersticiosa e espiritualizada/mística. Nesse ramo duas linhagens aparecem: os pentecostais/continuístas, e espiritualistas emocionais/psicológicos. A “razão” leva a um tipo de crença científica/cética e secularista/mundana. Os representantes desse pensamento são “cristãos secularistas”, “ateus práticos”, “herodianos modernos”, “saduceus cristãos”, “cristãos de esquerda”. Em resumo temos por um lado os crédulos e por outro os céticos. O grande erro, como de qualquer outra forma de heresia, é a grande ênfase num aspecto do todo, que parece ser a explicação do todo.
De uma maneira bem simples: a Fé é (resumidamente) a convicção que envolve certeza quanto à veracidade e confiabilidade da origem e conteúdo bíblico para nos conduzir ao conhecimento de Deus, de si mesmo, de Jesus e da Igreja – implicado em nossa salvação. A Fé é fundamentada na razão/lógica bíblica e, nutridos dessa convicção espiritual que vem do Espírito Santo na Palavra de Deus, os nossos sentimentos (vontade, afeições, desejos, paixões) são modelados e impulsionados para a glória de Deus. Sentimentos, biblicamente falando, são as vontades, os impulsos, os desejos. Esses quando controlados pelo Espírito Santo, servem também para nos direcionar a todo bem e boa obra. A velha questão do desejar obedecer com alegria ao Senhor.
Por que então uma “Bíblia de Estudo Espiritualidade Emocional Cristã” é amorfa e insidiosa? Primeiro porque o erro que foi cometido no passado parece se repetir agora – conceitos modernos achados magicamente na Bíblia (anacronismo). John Frame, citando James Barr, advertiu quanto aos problemas da imposição de ideias modernas à Bíblia e fundamentou sua crítica da seguinte maneira: “O sentido das Escrituras não vem dos seus termos individuais, mas das suas sentenças, parágrafos, livros e unidades maiores.” (FRAME, Introdução à Teologia Sistemática. p. 55.). O que invariavelmente tem acontecido ao longo dos últimos séculos é uma imposição escandalosa de conceitos modernos à Bíblia, baseada em palavras e versos fora de contexto (2Tm 4.1-5).
Pastores e outros membros de igrejas, que hoje são chamados de “mentores”, “coach” e “desenvolvedores da espiritualidade emocional”, não têm mais medo de acrescentarem às Escrituras ou surrupiarem das Escrituras Sagradas (Dt 4.2; 12.32; Ap 22.18-19).
Segundo, quando alguém acha ensino que nunca antes foi visto, baseado em lentes interpretativas nunca antes usadas, rejeitar é mais do que uma possibilidade, é um dever. Além disso, há os que requentam antigas formas de heresia. Outros revestem de uma roupa mais moderna, mas no final das contas é “mais do mesmo”. Não é possível que algo tão exponencialmente (para usar uma palavra da moda) importante para o bem-estar da igreja tenha surgido tantos anos depois sem ninguém ter falado sobre o assunto antes (Ec 1.9).
Terceiro, infelizmente estamos diante de um comércio baseado na fragilização das pessoas e isso tem gerado uma demanda por material de “evolução pessoal” muito grande. Hoje há uma intensa psicologização das pessoas usando a Bíblia. Dois intentos básicos estão por trás disso: primeiro eles precisam criar um nicho de oportunidade para vender cursos, mentoria e livros; segundo, ficar famoso, o que alimenta o primeiro motivo.
Muitos membros de igrejas compram cursos de “mentoria espiritual” na internet, guias para uma vida devocional “exponencial” e outros tipos de ferramentas disponibilizadas para o suposto crescimento emocional, que implicaria em evolução espiritual. Os termos são usados de maneira a nos levar a entender que o “desenvolvimento”, o “aperfeiçoamento” emocional é o mesmo que os leva ao crescimento espiritual. O que é um grave erro.
Infelizmente repico no mesmo ponto: a fragilização interior para onde estão levando muitos evangélicos (adeus à mensagem do ser forjado no fogo) e como os novos também estão sendo formados, que só ouvem que Jesus é um grande psicólogo que está aqui para servir os seres humanos em suas necessidades existenciais, é apenas a criação de um mercado gospel. Ideias outras estão por trás dessa sensibilização efeminada da igreja, mas esse é um assunto para outro momento.