Os conceitos aqui abordados referem-se, exclusivamente, ao âmbito jurídico. Não desejo que, ao lerem este texto, façam qualquer conclusão bíblica acerca da liberdade religiosa, ou da intervenção estatal na igreja à luz do que será aqui exposto. Pois, conforme fora dito, trata-se de explanação jurídica, de uma Constituição feita por ímpios e de Leis criadas por descrentes.
A liberdade religiosa é classificada como um direito fundamental, é um direito por excelência. Assim, a limitação desse direito acontece sempre que ele colide com outros direitos, também fundamentais. Logo, a liberdade religiosa tem seu limite quando em colisão com o exercício de outra liberdade.
Portanto, não obstante o trazido no texto anterior, há, juridicamente, diversas situações em que o exercício da liberdade religiosa, desmembrada em liberdade de crença, liberdade de culto, e liberdade da organização religiosa, não será plena ou absoluta.
Em termos práticos, por exemplo, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença possuem força dupla, pois garantem a crença religiosa, bem como garantem a crença do ateu, que não acredita em religião alguma. Assim, a Constituição também assegura em seu art. 5º, inciso XX, que: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Desta forma, nossa liberdade religiosa não nos permite forçar terceiros a tornarem-se membros de nossas igrejas.
Imaginemos agora a confrontação do direito à vida com o direito à liberdade de crença. Determinado fiel, Testemunha de Jeová, necessita, urgentemente, realizar procedimento de transfusão de sangue de acordo com orientação médica. Contudo, possui convicção íntima, em virtude de sua fé, que este procedimento é totalmente contrário a suas convicções religiosas, de modo que para este fiel, a realização da transfusão poderia ocasionar profundo autodesprezo, preconceito e afastamento da vida religiosa.
Assim, a situação acima narra uma clara colisão de direitos fundamentais. Ora, nesse caso, considerando que o indivíduo é maior e plenamente capaz e que, para ele, a sua liberdade de crença é muito mais importante do que um procedimento médico, até porque teme que a transfusão possa prejudicar sua salvação, sua escolha deve ser levado em consideração. Pois, o princípio que sempre deve ser buscado, da dignidade da pessoa humana, será melhor alcançado preservando a inviolabilidade de crença do indivíduo. Assim, em regra, o judiciário tem permitido que o maior e plenamente capaz exerça sua escolha sobre realizar ou não o procedimento.
Situação diversa seria, caso o exemplo versasse sobre um pai testemunha de Jeová, que impede que seus três filhos menores de idade, que necessitam da transfusão de sangue a realizarem, sob argumento de que isso violaria sua convicção religiosa.
Nesse caso, as crianças ainda não exerceram sua livre escolha de crença, e estão correndo sérios riscos de vida em virtude de crença do pai, de modo que a dignidade da pessoa humana das crianças, será melhor preservada se realizada a transfusão, mesmo que à revelia do pai.
Outro exemplo que ilustra bem a situação da limitação da liberdade de consciência e de crença refere-se aos Adventistas do Sétimo Dia, em situações em que para realizar a guarda do sábado eles se abstêm da prática de atos cívicos indispensáveis, direito esse denominado “escusa de consciência”.
No impasse narrado acima, a Constituição Federal garante ao religioso modo alternativo para cumprimento da obrigação. Mas se, novamente, recusar o cumprimento, estaria diante da dupla-recusa, atitude essa não permitida, momento no qual sofreria violação, constitucionalmente prevista, do seu direito de liberdade de consciência e de crença por parte do Estado.
Esses são exemplos que demonstram que por mais que valorizemos e agradeçamos por nossa liberdade religiosa, ela não é direito fundamental absoluto, possuindo limitações como os demais, sendo objeto de restrição por parte do Estado, quando for contrária a outros direitos fundamentais. Ademais, uma conclusão acerca dos exemplos abordados será elaborada em ocasião oportuna. No próximo texto, falaremos sobre as violações à liberdade de culto que estão ocorrendo por todo o Brasil, em virtude das medidas restritivas de Governadores de Estado.
Imagem do topo: Lady Justice, West Charleston Boulevard, Las Vegas, NV, USA. Domínio Público.
Muito bom texto, irmão Leonardo.